quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Vampiro Do Canal

Com aquele tempo, as rondas ficavam cada vez mais difíceis. Já não era tão jovem e o frio daquelas madrugadas chuvosas, fazia com que seu corpo doesse. Procurava ao máximo ficar no carro e deixava o trabalho de rua para o novato. Sabia que era errado, mas era uma área tranqüila e eles já não registravam uma ocorrência grave ali a mais de cinco anos.

Seguiam pela alameda principal e cruzavam a pequena ponte que cortava o rio. Na hora não soube bem o “por que”, mas com o passar do tempo, atribuiu aquele gesto ao destino. Quando estavam bem no meio da ponte, inadvertidamente, deu uma olhada para um dos pilares na margem oposta do rio. Apesar da noite horrível e da chuva, pode ver claramente alguém debruçado sobre um corpo caído na margem.

Olhou seu parceiro, que dirigia, e percebeu que ele nada notara. Pensou em fazer vista grossa e deixar para o próximo turno a triste tarefa de ficar horas de pé no frio, aguardando a perícia e cercando a área. Mas, lá do fundo da alma, uma voz clamava que era seu dever investigar. Talvez, a pessoa caída ainda estivesse viva e ele evitaria o pior. Imerso nesse pensamento, puxou o braço do parceiro e indicou que entrasse no acesso a margem após a ponte.

Deixaram o carro bloqueando a passagem e pediram auxílio pelo rádio. Se o cara estivesse de carro, teria que fugir a pé. Ali, ninguém passaria. Desceram a pequena ladeira que levava até a base da ponte, e espremidos junto aos pilares, podiam ver o homem caído e seu algoz; iluminados pela tênue luz da rua acima. Com as armas em punho, gritaram para que se afastasse da vítima imóvel. A estranha figura, contudo, permanecia impassível. Novas ordens gritadas com mais força e, agora, eles se aproximaram mais ainda; abandonando a proteção dos pilares. Cuidadosamente, aproximavam-se em ângulo de forma a cortar possíveis rotas de fuga do suspeito que, aparentemente, permanecia compenetrado sobre sua vítima.

O velho policial, impaciente e esperando uma reação, engatilhou sua arma e ordenou enfaticamente para que se afastasse. Nesse momento, a estranha figura, olhou em sua direção e virou-se para seu parceiro. Olhando novamente para o velho, esboçou um sorriso e, sem aviso, saltou sobre o policial que mal conseguiu se esquivar. Sumindo na escuridão.

Aproximaram-se do homem caído e acharam estranho o que viram: Seu pescoço havia sido cortado quase até o osso da coluna. Porém, não havia uma gota de sangue no local. Os reforços chegavam na entrada da viela e, em breve, a perícia se encarregaria do caso. Mas já sabia que passaria horas contando o que acontecera e depois, preenchendo relatórios.

Nos dias que se seguiram, cinco outros casos iguais ocorreram naquele bairro, antes tão tranqüilo. Todas as outras equipes que surpreenderam o criminoso relatavam a mesma coisa: A vítima fora quase decapitada e não havia sangue no local. A opinião pública pressionava e os altos escalões queriam resultados. Porém, não havia pistas.

Pela cidade, corria solto o boato do “vampiro do canal”. Diziam que já havia sido baleado pela polícia e nunca morria nem era ferido. Aos poucos, as pessoas pararam de sair à noite e a histeria tomou conta do lugar.

Os dias converteram-se em semanas, que viraram meses e já se acumulavam até quase um ano. Os crimes se sucediam e os encontros com o “vampiro do canal” eram freqüentes. Ele sempre se safava. Já se tornara uma lenda urbana local.

O velho policial achava que tudo era uma grande bobagem, vira o homem e sabia que era apenas isso: um homem. No máximo um maluco de muita sorte e agilidade espantosa. Continuou com sua vidinha e suas rondas pelas madrugadas frias. Estranhamente como começaram, os crimes haviam parado. Depois de, praticamente, três crimes por semana; já se passaram quinze dias sem ocorrências. De repente o maluco morreu ou se afogou no rio, pensava para se tranqüilizar.

Novamente subindo a velha rua principal com sua viatura, a dupla de policiais fazia sua ronda madrugada a fora. O velho esperava apenas mais uns meses para a tão sonhada aposentadoria. Poderia se mudar daquela cidade fria e ir para os trópicos, curtir a velhice. Pensava no maravilhoso sol, quando percebeu um movimento estranho junto à base da velha ponte. Olhou a figura que corria e não teve dúvidas: Era o “vampiro do canal”. Pediu auxílio pelo rádio. Mas, desta vez, resolveu apenas acompanhar de longe a estranha figura que se movia tão rapidamente. Percebeu como, apenas alguns quarteirões acima, ela esgueirou-se pelo gradeamento que circundava o canal e mergulhou numa velha casa na margem oposta. Eles pararam a viatura um pouco distante da casa e aguardaram uns minutos pelos reforços. Nada, ainda estavam longe. O velho resolveu entrar. A casa era circundada por prédios altos e só havia uma entrada. O “vampiro” estava encurralado.

Entraram cuidadosamente. Armas empunhadas e prontas. Seguiram pela sala escura e ricamente mobiliada. Circundaram o pequeno corredor que dava acesso a cozinha e ao pequeno quintal atrás da casa, nenhum sinal de vida. Restava o andar superior. Subiram pelas escadas, o velho sempre à frente. No topo, as escadas eram encimadas por um corredor longo que dava acesso aos vários quartos e bem no final, o único cômodo com as luzes acesas. Encostados a parede, um de cada lado do corredor, esgueiraram-se até a soleira iluminada: era um banheiro.

Era um golpe de sorte incrível. Apanhar o homem totalmente desprevenido. Colaram-se junto à porta, nervosos, podiam sentir-se penetrando na própria construção. Uma breve contagem… e mergulharam juntos para o interior iluminado.

Surpreendidos nús, banhando-se numa banheira cheia de sangue, estavam o prefeito e a primeira dama..

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