quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Templo De MYRHO

Eles chegaram ainda à noite. A pequena e pacata cidade foi cercada com barricadas, arame farpado e posto de observação foram montados. Atiradores postados no alto das torres Sondavam todo o terreno à frente das barreiras e tinham ordens de eliminar, sem hesitar, toda e qualquer forma de vida que se aproximasse das zonas delimitadas pelas barreiras.

Soldados em roupas especiais espalhavam uma grande quantidade de minas terrestres e de armadilhas ao longo de toda a cerca de arame farpado Era simplesmente a maior operação militar já realizada naquele pequeno país. As cercas estendiam-se por milhares de quilômetros e circundavam toda a área em torno da cidadezinha. Eram compostas de três estágios de alturas diferentes e, entre cada um deles, minas e dispositivos automáticos de disparo destruíam qualquer coisa que ousasse romper o perímetro. Além disso, cada cerca era eletrificada com milhares de volts.

Ninguém sabia muito ao certo o que acontecera. As duas missões médicas enviadas a cidade jamais voltaram. A unidade tática, altamente treinada, enviou apenas uma mensagem solicitando resgate imediato. Quando os helicópteros chegaram, encontraram apenas os veículos abandonados.

A população local nada sabia, ou dizia nada saber, dos médicos e dos militares. Eram solícitos e normais. Como todos os habitantes do interior. Mas algo estava muito errado. Quando os helicópteros voltaram, as tripulações foram acometidas de estranha loucura. Mataram vários colegas até serem mortas num tiroteio sangrento. As autópsias nada revelaram de anormal. Todos pareciam estar em perfeita saúde.

A quarentena, então, foi decretado pelo governo central e a cidade isolada. Sem recursos, o governo pedira ajuda as Nações Unidas que enviaram tropas e especialistas médicos. Eles nada encontraram. No entanto, as mortes violentas continuavam a acontecer. Canibalismo e atos grotescos eram comuns. Cogitava-se, até mesmo, o extermínio completo da pacata cidadezinha.

Dois meses se passaram, sem que qualquer progresso fosse conseguido. Ocorrências com as guarnições militares começaram a acontecer e, em alguns pontos das cercas, verdadeiras carnificinas aconteciam. Os soldados pareciam ter enlouquecido de uma hora para outra sem motivo aparente. E nenhum agente infeccioso ou substâncias nocivas foram detectados nos corpos.

O velho veterano atirador, com mais de vinte anos de vida militar e algumas guerras e muitas mortes na consciência; viu ao longe vindo a pé pela estrada que vigiava um homem. Era jovem e alto. Vestia-se de preto e portava apenas uma bolsa surrada, um pequeno livro e uma arma estranha que ele não via fazia décadas.

Ele enquadrou o caminhante na mira e estudou cuidadosamente a direção e a força do vento. O caminhante vinha de fora da área de quarentena, mas se tentasse atravessar as cercas, deveria ser detido a todo o custo. Eram as suas ordens. Ele estava a mais de um quilômetro. Mas sua figura contrastava muito com o ambiente e seria fácil atingi-lo. Ajustou um pouco a arma e fixou seu alvo pousando suavemente seu dedo no gatilho.

O ruído abafado pelo silenciador e o pequeno recuo do potente fuzil fizeram seu corpo mexer-se um pouco no abrigo camuflado. Pela mira telescópica, esperava ver a típica explosão de sangue e fumaça que as balas faziam ao atingirem seus alvos. Controlava a respiração e já tinha a arma preparada para um segundo disparo. Isso nunca fora necessário, sempre alcançara “um tiro, uma morte”; o lema dos atiradores. E essa, era a meta de qualquer atirador. Mas, absolutamente nada, o preparara para o que via pelas lentes da mira. Onde deveria haver sangue e uma pequena explosão de fumaça, quando a bala atingisse seu alvo; ele vislumbrou apenas um pequeno brilho.

Refeito do susto, pressionou o gatilho mais uma vez e recarregou a arma de imediato. A mesma coisa acontecera. Três outros disparos atingiram o alvo com extrema precisão e em várias partes do corpo. Tudo o que vira fora um leve brilho dourado e nada. O estranho continuava avançando como se nada tivesse acontecido. Quando ele disparou o último tiro, o homem parou e olhou diretamente em seus olhos. Mesmo naquela distância, ele percebia que aquela estranha figura sabia exatamente onde ele estava. Num gesto inesperado, o homem que continuava a avançar e a olhar fixamente em sus direção; sorriu.

Em seu ninho de atirador camuflado, o veterano de muitas batalhas e com muitas mortes na consciência, não entendia o que acontecera. Contrariando todo o seu treinamento e seus anos de experiência em combate, ele apanhou seu fuzil e algumas granadas e deixou seu abrigo camuflado. Descendo a pequena colina, postou-se na estrada diretamente à frente do estranho que continuava em sua caminhada lenta e inexorável.

Quando apenas uma dezena de metros os separava; ele pode perceber que aquele estranho homem de preto era um padre. Ou, pelo menos era o que parecia. Ao se aproximar o suficiente para ser tocada, a estranha figura sorriu novamente e tocou a face do veterano com suas mãos quentes e acolhedoras.

Aquele toque incomum; era dotado de uma força e de algo que o velho soldado não conseguiu entender. Tudo o que sentira, ao ser tocado por aquela figura, fora uma extrema paz. Sentiu que sua alma era banhada por uma estranha sensação de que todas as mortes, todo o horror e toda a carnificina que presenciara e pelas quais fora responsável, eram simplesmente apagadas de seu espírito. Sentindo-se leve e emocionado a ponto de perder as forças, deixou-se cair sobre o pó da estrada em lágrimas.

Eles não haviam trocado uma única palavra. Apenas um toque e um sorriso. Mas ele pode perceber que, aquele estranho padre, não era deste mundo. Naquele dia, naquele lugar de morte, dor e destruição; ele havia visto um santo.

Poucos dias depois, a cidade foi declarada segura. Quando as forças militares invadiram o lugar, encontraram moradores saudáveis e uma cidade sem qualquer sombra de problemas. A fantástica história contada por todos eles, mesmo quando interrogados separadamente, dizia que um estranho chegara à cidade, numa tarde, e encontrara um templo subterrâneo dedicado a Myrho – o demônio da ilusão e da fome – e que este havia dominado a região e pretendia construir um portal para as legiões de Lúcifer. (Isso foi o que ele contara)

Diziam que a figura franzina e vestida como um jovem padre destruíra o templo e duelara em plena rua com o próprio demônio. Destruindo-o com uma pequena espada e entoando cânticos numa língua nunca ouvida antes por eles. O demônio urrara e vomitara imprecações amaldiçoando Deus. Ondas de criaturas infernais brotavam do interior do templo e apossavam-se das pessoas, atacando o jovem. Ele combatia com uma maestria e uma destreza sem igual. Como se fosse saído de um desses filmes de luta. E, um a um, a estranha figura derrotou todos os emissários satânicos. Por fim. O demônio gritou uma imprecação e chamou o homem que o enfrentara de “sentinela”; retornando as profundezas.

A notícia percorreu as tropas como um rastilho de pólvora. A incredulidade e a confusão se espalhavam. As conversas iam do sobrenatural a hipnose coletiva. Quem seria o tal “guerreiro místico” que ninguém vira. Os ruídos da “luta” foram ouvidos pelas tropas, mas nunca imaginaram o que se passara ali. O debate era tão acirrado, que os oficiais tiveram de apelar para métodos disciplinadores. O único que parecia saber o que realmente acontecera e que permanecera em silencio durante todo o tumulto que se seguiu, fora um velho e veterano atirador de tocaia. Mas, ninguém prestou muita atenção nele. Afinal, diziam que eles eram todos loucos e perversos mesmo…

Nenhum comentário:

Postar um comentário