segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Magica Das Favas

Matar um gato preto e enterra-lo com uma fava em cada olho, outra debaixo da cauda e outra em cada ouvido. Depois, enterre-o, e regue-o com pouca água todas as noites a meia-noite, ate que as favas, depois de brotadas, estejam maduras. Cortar as favas pelo pé.
Depois de cortadas, leve-as para casa e vai colocando uma de cada vez na boca. Quando, porem, parecer que esta invisivel, é porque a fava que tens na boca e a que tem a propriedade magica. assim, se desejares entrar em qualquer parte sem ser visto, ponha a dita fava na boca.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Darzamat - Solfernus' Path

Darzamat é uma banda de Symphonic Black/Gothic Metal, Solfernus' Path é o quinto disco da banda lançado em 28 de Agosto de 2009.

01. False Sleepwalker
02. Vote For Heresy
03. Final Conjuration
04. Pain Collector
05. Gloria Inferni
06. Solfernus' Path
07. Lunar Silhouette
08. King Of Burning Anthems
09. Chimera
10. A Mesmeric Séance

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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Vampiro Do Canal

Com aquele tempo, as rondas ficavam cada vez mais difíceis. Já não era tão jovem e o frio daquelas madrugadas chuvosas, fazia com que seu corpo doesse. Procurava ao máximo ficar no carro e deixava o trabalho de rua para o novato. Sabia que era errado, mas era uma área tranqüila e eles já não registravam uma ocorrência grave ali a mais de cinco anos.

Seguiam pela alameda principal e cruzavam a pequena ponte que cortava o rio. Na hora não soube bem o “por que”, mas com o passar do tempo, atribuiu aquele gesto ao destino. Quando estavam bem no meio da ponte, inadvertidamente, deu uma olhada para um dos pilares na margem oposta do rio. Apesar da noite horrível e da chuva, pode ver claramente alguém debruçado sobre um corpo caído na margem.

Olhou seu parceiro, que dirigia, e percebeu que ele nada notara. Pensou em fazer vista grossa e deixar para o próximo turno a triste tarefa de ficar horas de pé no frio, aguardando a perícia e cercando a área. Mas, lá do fundo da alma, uma voz clamava que era seu dever investigar. Talvez, a pessoa caída ainda estivesse viva e ele evitaria o pior. Imerso nesse pensamento, puxou o braço do parceiro e indicou que entrasse no acesso a margem após a ponte.

Deixaram o carro bloqueando a passagem e pediram auxílio pelo rádio. Se o cara estivesse de carro, teria que fugir a pé. Ali, ninguém passaria. Desceram a pequena ladeira que levava até a base da ponte, e espremidos junto aos pilares, podiam ver o homem caído e seu algoz; iluminados pela tênue luz da rua acima. Com as armas em punho, gritaram para que se afastasse da vítima imóvel. A estranha figura, contudo, permanecia impassível. Novas ordens gritadas com mais força e, agora, eles se aproximaram mais ainda; abandonando a proteção dos pilares. Cuidadosamente, aproximavam-se em ângulo de forma a cortar possíveis rotas de fuga do suspeito que, aparentemente, permanecia compenetrado sobre sua vítima.

O velho policial, impaciente e esperando uma reação, engatilhou sua arma e ordenou enfaticamente para que se afastasse. Nesse momento, a estranha figura, olhou em sua direção e virou-se para seu parceiro. Olhando novamente para o velho, esboçou um sorriso e, sem aviso, saltou sobre o policial que mal conseguiu se esquivar. Sumindo na escuridão.

Aproximaram-se do homem caído e acharam estranho o que viram: Seu pescoço havia sido cortado quase até o osso da coluna. Porém, não havia uma gota de sangue no local. Os reforços chegavam na entrada da viela e, em breve, a perícia se encarregaria do caso. Mas já sabia que passaria horas contando o que acontecera e depois, preenchendo relatórios.

Nos dias que se seguiram, cinco outros casos iguais ocorreram naquele bairro, antes tão tranqüilo. Todas as outras equipes que surpreenderam o criminoso relatavam a mesma coisa: A vítima fora quase decapitada e não havia sangue no local. A opinião pública pressionava e os altos escalões queriam resultados. Porém, não havia pistas.

Pela cidade, corria solto o boato do “vampiro do canal”. Diziam que já havia sido baleado pela polícia e nunca morria nem era ferido. Aos poucos, as pessoas pararam de sair à noite e a histeria tomou conta do lugar.

Os dias converteram-se em semanas, que viraram meses e já se acumulavam até quase um ano. Os crimes se sucediam e os encontros com o “vampiro do canal” eram freqüentes. Ele sempre se safava. Já se tornara uma lenda urbana local.

O velho policial achava que tudo era uma grande bobagem, vira o homem e sabia que era apenas isso: um homem. No máximo um maluco de muita sorte e agilidade espantosa. Continuou com sua vidinha e suas rondas pelas madrugadas frias. Estranhamente como começaram, os crimes haviam parado. Depois de, praticamente, três crimes por semana; já se passaram quinze dias sem ocorrências. De repente o maluco morreu ou se afogou no rio, pensava para se tranqüilizar.

Novamente subindo a velha rua principal com sua viatura, a dupla de policiais fazia sua ronda madrugada a fora. O velho esperava apenas mais uns meses para a tão sonhada aposentadoria. Poderia se mudar daquela cidade fria e ir para os trópicos, curtir a velhice. Pensava no maravilhoso sol, quando percebeu um movimento estranho junto à base da velha ponte. Olhou a figura que corria e não teve dúvidas: Era o “vampiro do canal”. Pediu auxílio pelo rádio. Mas, desta vez, resolveu apenas acompanhar de longe a estranha figura que se movia tão rapidamente. Percebeu como, apenas alguns quarteirões acima, ela esgueirou-se pelo gradeamento que circundava o canal e mergulhou numa velha casa na margem oposta. Eles pararam a viatura um pouco distante da casa e aguardaram uns minutos pelos reforços. Nada, ainda estavam longe. O velho resolveu entrar. A casa era circundada por prédios altos e só havia uma entrada. O “vampiro” estava encurralado.

Entraram cuidadosamente. Armas empunhadas e prontas. Seguiram pela sala escura e ricamente mobiliada. Circundaram o pequeno corredor que dava acesso a cozinha e ao pequeno quintal atrás da casa, nenhum sinal de vida. Restava o andar superior. Subiram pelas escadas, o velho sempre à frente. No topo, as escadas eram encimadas por um corredor longo que dava acesso aos vários quartos e bem no final, o único cômodo com as luzes acesas. Encostados a parede, um de cada lado do corredor, esgueiraram-se até a soleira iluminada: era um banheiro.

Era um golpe de sorte incrível. Apanhar o homem totalmente desprevenido. Colaram-se junto à porta, nervosos, podiam sentir-se penetrando na própria construção. Uma breve contagem… e mergulharam juntos para o interior iluminado.

Surpreendidos nús, banhando-se numa banheira cheia de sangue, estavam o prefeito e a primeira dama..

O Templo De MYRHO

Eles chegaram ainda à noite. A pequena e pacata cidade foi cercada com barricadas, arame farpado e posto de observação foram montados. Atiradores postados no alto das torres Sondavam todo o terreno à frente das barreiras e tinham ordens de eliminar, sem hesitar, toda e qualquer forma de vida que se aproximasse das zonas delimitadas pelas barreiras.

Soldados em roupas especiais espalhavam uma grande quantidade de minas terrestres e de armadilhas ao longo de toda a cerca de arame farpado Era simplesmente a maior operação militar já realizada naquele pequeno país. As cercas estendiam-se por milhares de quilômetros e circundavam toda a área em torno da cidadezinha. Eram compostas de três estágios de alturas diferentes e, entre cada um deles, minas e dispositivos automáticos de disparo destruíam qualquer coisa que ousasse romper o perímetro. Além disso, cada cerca era eletrificada com milhares de volts.

Ninguém sabia muito ao certo o que acontecera. As duas missões médicas enviadas a cidade jamais voltaram. A unidade tática, altamente treinada, enviou apenas uma mensagem solicitando resgate imediato. Quando os helicópteros chegaram, encontraram apenas os veículos abandonados.

A população local nada sabia, ou dizia nada saber, dos médicos e dos militares. Eram solícitos e normais. Como todos os habitantes do interior. Mas algo estava muito errado. Quando os helicópteros voltaram, as tripulações foram acometidas de estranha loucura. Mataram vários colegas até serem mortas num tiroteio sangrento. As autópsias nada revelaram de anormal. Todos pareciam estar em perfeita saúde.

A quarentena, então, foi decretado pelo governo central e a cidade isolada. Sem recursos, o governo pedira ajuda as Nações Unidas que enviaram tropas e especialistas médicos. Eles nada encontraram. No entanto, as mortes violentas continuavam a acontecer. Canibalismo e atos grotescos eram comuns. Cogitava-se, até mesmo, o extermínio completo da pacata cidadezinha.

Dois meses se passaram, sem que qualquer progresso fosse conseguido. Ocorrências com as guarnições militares começaram a acontecer e, em alguns pontos das cercas, verdadeiras carnificinas aconteciam. Os soldados pareciam ter enlouquecido de uma hora para outra sem motivo aparente. E nenhum agente infeccioso ou substâncias nocivas foram detectados nos corpos.

O velho veterano atirador, com mais de vinte anos de vida militar e algumas guerras e muitas mortes na consciência; viu ao longe vindo a pé pela estrada que vigiava um homem. Era jovem e alto. Vestia-se de preto e portava apenas uma bolsa surrada, um pequeno livro e uma arma estranha que ele não via fazia décadas.

Ele enquadrou o caminhante na mira e estudou cuidadosamente a direção e a força do vento. O caminhante vinha de fora da área de quarentena, mas se tentasse atravessar as cercas, deveria ser detido a todo o custo. Eram as suas ordens. Ele estava a mais de um quilômetro. Mas sua figura contrastava muito com o ambiente e seria fácil atingi-lo. Ajustou um pouco a arma e fixou seu alvo pousando suavemente seu dedo no gatilho.

O ruído abafado pelo silenciador e o pequeno recuo do potente fuzil fizeram seu corpo mexer-se um pouco no abrigo camuflado. Pela mira telescópica, esperava ver a típica explosão de sangue e fumaça que as balas faziam ao atingirem seus alvos. Controlava a respiração e já tinha a arma preparada para um segundo disparo. Isso nunca fora necessário, sempre alcançara “um tiro, uma morte”; o lema dos atiradores. E essa, era a meta de qualquer atirador. Mas, absolutamente nada, o preparara para o que via pelas lentes da mira. Onde deveria haver sangue e uma pequena explosão de fumaça, quando a bala atingisse seu alvo; ele vislumbrou apenas um pequeno brilho.

Refeito do susto, pressionou o gatilho mais uma vez e recarregou a arma de imediato. A mesma coisa acontecera. Três outros disparos atingiram o alvo com extrema precisão e em várias partes do corpo. Tudo o que vira fora um leve brilho dourado e nada. O estranho continuava avançando como se nada tivesse acontecido. Quando ele disparou o último tiro, o homem parou e olhou diretamente em seus olhos. Mesmo naquela distância, ele percebia que aquela estranha figura sabia exatamente onde ele estava. Num gesto inesperado, o homem que continuava a avançar e a olhar fixamente em sus direção; sorriu.

Em seu ninho de atirador camuflado, o veterano de muitas batalhas e com muitas mortes na consciência, não entendia o que acontecera. Contrariando todo o seu treinamento e seus anos de experiência em combate, ele apanhou seu fuzil e algumas granadas e deixou seu abrigo camuflado. Descendo a pequena colina, postou-se na estrada diretamente à frente do estranho que continuava em sua caminhada lenta e inexorável.

Quando apenas uma dezena de metros os separava; ele pode perceber que aquele estranho homem de preto era um padre. Ou, pelo menos era o que parecia. Ao se aproximar o suficiente para ser tocada, a estranha figura sorriu novamente e tocou a face do veterano com suas mãos quentes e acolhedoras.

Aquele toque incomum; era dotado de uma força e de algo que o velho soldado não conseguiu entender. Tudo o que sentira, ao ser tocado por aquela figura, fora uma extrema paz. Sentiu que sua alma era banhada por uma estranha sensação de que todas as mortes, todo o horror e toda a carnificina que presenciara e pelas quais fora responsável, eram simplesmente apagadas de seu espírito. Sentindo-se leve e emocionado a ponto de perder as forças, deixou-se cair sobre o pó da estrada em lágrimas.

Eles não haviam trocado uma única palavra. Apenas um toque e um sorriso. Mas ele pode perceber que, aquele estranho padre, não era deste mundo. Naquele dia, naquele lugar de morte, dor e destruição; ele havia visto um santo.

Poucos dias depois, a cidade foi declarada segura. Quando as forças militares invadiram o lugar, encontraram moradores saudáveis e uma cidade sem qualquer sombra de problemas. A fantástica história contada por todos eles, mesmo quando interrogados separadamente, dizia que um estranho chegara à cidade, numa tarde, e encontrara um templo subterrâneo dedicado a Myrho – o demônio da ilusão e da fome – e que este havia dominado a região e pretendia construir um portal para as legiões de Lúcifer. (Isso foi o que ele contara)

Diziam que a figura franzina e vestida como um jovem padre destruíra o templo e duelara em plena rua com o próprio demônio. Destruindo-o com uma pequena espada e entoando cânticos numa língua nunca ouvida antes por eles. O demônio urrara e vomitara imprecações amaldiçoando Deus. Ondas de criaturas infernais brotavam do interior do templo e apossavam-se das pessoas, atacando o jovem. Ele combatia com uma maestria e uma destreza sem igual. Como se fosse saído de um desses filmes de luta. E, um a um, a estranha figura derrotou todos os emissários satânicos. Por fim. O demônio gritou uma imprecação e chamou o homem que o enfrentara de “sentinela”; retornando as profundezas.

A notícia percorreu as tropas como um rastilho de pólvora. A incredulidade e a confusão se espalhavam. As conversas iam do sobrenatural a hipnose coletiva. Quem seria o tal “guerreiro místico” que ninguém vira. Os ruídos da “luta” foram ouvidos pelas tropas, mas nunca imaginaram o que se passara ali. O debate era tão acirrado, que os oficiais tiveram de apelar para métodos disciplinadores. O único que parecia saber o que realmente acontecera e que permanecera em silencio durante todo o tumulto que se seguiu, fora um velho e veterano atirador de tocaia. Mas, ninguém prestou muita atenção nele. Afinal, diziam que eles eram todos loucos e perversos mesmo…

ABIGOR

O quadro era, no mínimo estranho, uma garota friamente assassinada na diante de toda a família; o pároco local e um alto membro da diocese presenciam o fato e não se manifestam. Tanto a família quanto os membros da igreja parecem apoiar e acobertar o assassino. Apesar do sangue e de inúmeros vestígios na cena do crime; nada há que indique a presença de outras pessoas no local. Contudo, os vizinhos relataram que a casa foi invadida por um homem sozinho e que aparentava ser um clérigo.

A jovem fora decapitada na cama, como corpo coberto por excrementos e manchas. Era acometida, havia vários meses, por uma doença misteriosa que se manifestara após um acidente de carro que sofrera. O pai morrera neste mesmo sinistro. Desde então, vivia em hospitais e com a mãe na casa dos avós. A polícia estava atônita e sem pistas. Prendera todos pelo assassinato; mas não conseguia apontar o culpado. Tudo indicava uma conspiração motivada por fanatismo religioso. A mãe e os avós eram membros assíduos e conceituados na comunidade local e os sacerdotes envolvidos, queridos e renomados no clero nacional; com grande influência política e pareciam ter total apoio dos altos escalões da Igreja. Havia até um emissário do próprio Vaticano acompanhando o processo. Algo totalmente incomum. Mesmo as provas, coletadas em abundância no local do crime, não indicavam conclusivamente a participação deles. A arma do crime não fora encontrada e a lâmina usada não tinha similar na casa. Tudo apontava para “o visitante misterioso”. No entanto, eles continuavam negando que havia alguém a mais na casa. Os investigadores estavam convictos de que escondiam algo, mas não conseguiam provar nada.

Os dias passaram; e o furor da imprensa só fez aumentar a pressão pela condenação de todos. Apesar de relutante, a promotoria estava inclinada a não pronunciá-los; mas foi surpreendida quando os defensores designados pela Diocese apresentaram confissões completas e com declaração de culpa de todos. Era bizarro. Sem alternativa, uma audiência rápida foi marcada e os réus foram condenados: Trinta anos cada. Os avós e os clérigos morreriam na prisão, pois tinham uma idade avançada, a mãe sairia quanto tivesse setenta anos. Era muito triste. A essa altura, todos já haviam se convencido de que eles eram inocentes e protegiam outra pessoa. Mas, não havia como estabelecer a presença de outra pessoa no local e alguém deveria ser punido pelo crime.

Anos se foram, a cidade esqueceu o acontecido sufocada por inúmeros outros crimes bárbaros. Como o promotor previra, a mãe, foi a única sobrevivente. Seria libertada em dias. A imprensa, não tocara no assunto e nem se interessaria. Afinal, ninguém queria saber de um caso acontecido a tantos anos; já que novos escândalos brotavam a cada instante e vendiam muito mais. Apenas o velho promotor, já aposentado, ainda buscava a solução para o caso tão cheio de esquisitices; aquela morte estranha e o sacrifício inútil daquelas pessoas boas.

Após a condenação dos réus, mantivera o caso aberto por anos. Tinha sempre uma equipe voluntária investigando incessantemente. Buscava o homem estranho que invadira a casa. As perguntas eram muitas e continuavam sem respostas: Quem era o estranho? Por que nada havia sido descoberto que indicasse sua presença na casa? Por que a Igreja e a família tinham tanto interesse em acobertar tudo? E, principalmente, por que sofrer tanto por algo que não fizeram? Contava apenas, agora, com a boa vontade daquela mulher dizimada pelo sofrimento e mortificada pelos anos atrás das grades. Queria saber porque nunca recorreram, nunca pediram condicional, nunca revelaram o que acontecera naquele quarto e nem porque a filha havia sido assassinada tão barbaramente. Esperava que após tantos anos, ela revelasse o segredo antes de ir para o túmulo.

No dia marcado para a soltura, ele a esperava na porta do presídio. Sabia que ela não teria para onde ir. A casa onde morava foi tomada pela prefeitura devido aos impostos atrasados. Não tinha parentes vivos nem herdeiros. Tinha apenas a si. Quando as portas se abriram, viu que uma velha e curvada mulher, com um olhar vazio e sem vida, saía acompanhada de um homem de roupas clericais. Imediatamente, reconheceu as vestimentas como pertencentes ao alto escalão. Não era muito religioso, mas aquele caso fizera com que lidasse com os “graúdos” da Igreja e sabia como se vestiam. Não saiu do carro. Ficou observando à distância, seus instintos gritavam; agora tinha certeza do que sempre suspeitara: uma trama para acobertar alguém em altos postos da Igreja.

Quando entraram num carro grande e partiram, ele os seguiu de perto. Cruzaram toda a cidade e chegaram a uma área pouco habitada, povoada por mansões e chácaras de famosos. O carro entrou numa delas e ele estacionou na esquina. Nem precisava aproximar-se para saber onde eles foram: A residência do Cardeal.

Ficou observando por horas, o veículo que trouxera a mulher partira apenas com o motorista. Saiu e caminhou até os jardins da imensa propriedade. Identificou-se a um segurança e perguntou quem era a mulher que entrara na casa. A resposta foi mais esclarecedora do que surpreendente: “É a tia do cardeal que veio do interior para morar com ele”.

Tudo se confirmara.

Voltou àquela casa todos os dias; vigiou por meses. Até que numa tarde, viu a mulher caminhando pelo jardim com uma enfermeira. Saiu do carro, atravessou a rua e a chamou. A acompanhante a pegou pelo braço e a dirigiu-se para o interior da propriedade. A velha senhora, com gentileza e resignação, tomou a mão da outra mulher e disse-lhe algo. As duas se separaram e a velha dirigiu-se ao homem que parecia ansioso e a esperava junto ao muro. Um cumprimento, um sorriso estranhamente familiar e um olhar compreensivo foi tudo o que o velho promotor notou. A idosa, contudo, disse-lhe: “Eu fui avisada que você viria e autorizada a contar-lhe o que aconteceu para que acredite e tenha paz”.

Provavelmente estava senil, mas era a chance que ele tinha de saber o que acontecera com a garota e com todos os envolvidos naquela trama inexplicável. Sentaram-se num banco próximo aos canteiros de flores e ela começou a contar tudo: “Minha filha morreu no desastre de carro com o pai (meu amado esposo)…” Agora tinha certeza de ela estava senil, pensou.

Sem parecer perceber, ela continuou: “… a “coisa” que morreu naquele quarto não era minha filha. Era algo que tomou o corpo de minha filhinha e que atormentava a vida de nossa família e de todos que encontrasse”. Os olhos embaçados pelo tempo enchiam-se de lágrimas conforme lembrava dos acontecimentos: “ … Antes do acidente, ela era uma menina alegre, gentil e estudiosa. Muito esperta; era querida pelos coleguinhas, pelas professoras e por todos na vizinhança. Depois que fui buscá-la no hospital, tudo mudou. A princípio, pensei que era devido ao trauma. Levei-a aos melhores psiquiatras, psicólogos e a vários médicos. Ninguém parecia encontrar algo errado nela. Mas tornara-se má. Maltratava a mim e a meus pais, caçava e matava animaizinhos na vizinhança; uma vez a peguei esfolando um gatinho vivo e atormentava as outras crianças: Era terrível”.

As lágrimas agora eram incontidas: “Levei-a ao padre José, que a batizara, e era nosso amigo e conselheiro há anos. Quando chegamos na igreja, parecia agitada e mais rebelde do que de costume. Me batia e gritava, quando o padre aproximou-se; ela cuspiu em seu rosto e começou a gritar coisas horríveis. Fiquei tão envergonhada que corri dali. Padre José veio atrás de mim e disse que talvez soubesse o que estava acontecendo; e que iria me ajudar. Dias depois, ele apareceu lá em casa com um homem vindo da Diocese. O homem conversou comigo por algumas horas e pediu para ver minha filha. Quando chegamos ao quarto, ela já nos esperava: estava nua e defecara sobre a cama. Com as mãos, apanhava as fezes, esfregava pelo rosto e corpo e atirava em nós. Ao mesmo tempo gritava para que o padre a possuísse. Fazia gestos obscenos e ria alto”.

O promotor parecia não acreditar no que ouvia, sua expressão de incredulidade era tão evidente que a velha mulher sorriu e ameaçou levantar-se. Um impulso de curiosidade o fez segurá-la, gentilmente, pediu que continuasse. Ela relutou um pouco, mas prosseguiu: “… O próprio Bispo me visitou e disse que autorizara um exorcismo. Minha filha estava possuída por um demônio e apenas o ritual antigo e raramente executado hoje em dia, seria capaz de libertá-la. No dia marcado para o ritual, O padre José trouxe o exorcista até nossa casa. Subimos ao quarto e a encontramos naquele mesmo estado deplorável: estava coberta de fezes, havia urinado em todos os cantos do cômodo e gritava coisas inacreditáveis. Os padres começaram orando e jogaram água benta sobre ela; ordenavam ao demônio que se apresentasse e que abandonasse aquele corpo. Gritavam ordens, rezavam, jogavam mais água benta; aquilo durou horas. O demônio apenas gargalhava e debochava de tudo. Quando eles jogavam água benta, ela virava-se de costas e esfregava a água que escorria em suas nádegas rindo. Tomou a bíblia e o terço de um dos padres e masturbou-se com eles; bem ali: no meio das fezes e na frente de todos”.

A mulher agora escondia o rosto com as mãos e soluçava baixinho como se lembrar daquilo tudo a fizesse reviver o horror. Os olhos vermelhos e injetados denunciavam que, para ela, aquilo tinha ocorrido mesmo. O promotor estupefato pelo relato incrível apenas perguntou: “Por que a mataram?” Um sorriso iluminou o rosto devastado pelo sofrimento e ela suspirou: “Nós não a matamos…” Antes que ele pudesse dizer algo, a velha senhora prosseguiu seu incrível relato: “… Num determinado momento, ela pareceu ficar mais alta do que era realmente, avançou para os padres e, segurando um em cada mão, ergueu-os pelo pescoço como se fossem bonecos de trapo. Enquanto os sufocava, ela gritou: ”Querem saber meu nome?” “Querem saber quem sou? ”Nesse momento, a voz fina de menina, alterou-se para um tom grave e poderoso de homem. Um odor forte e acre tomou conta do quarto e nos sufocou, sentimos como se algo pesado e incrivelmente grande estivesse sobre nós. Fomos atirados ao chão e a ouvimos gritar: ”Eu sou ABIGOR (*), comandante de sessenta legiões infernais. Acham mesmo que podem me vencer com essa pantomima ridícula?”

A velha continuava relatando o que acontecera e sua voz quase sumia ao relembrar o que passara: “…Quando ela disse isso, olhei para os padres buscando ajuda; pensei que, como o demônio tinha se anunciado, eles conseguiriam expulsá-lo. Mas, o que vi, me deixou ainda mais em pânico: Eles estavam com medo e choravam como crianças assustadas. Naquele exato instante, percebi que estávamos perdidos e que todos morreríamos ali…”

Enquanto proferia essas palavras, uma lembrança pareceu iluminar seu rosto e os olhos pareceram retornar ao antigo brilho da juventude; agora sorria e secava as lágrimas. Mais aliviada continuou: “…Nesse momento; vi um homem jovem; vestindo roupas de padre entrar no quarto. A simples presença dele, naquele quarto, foi suficiente para afastar a sensação de peso que nos prendia ao chão. Conseguimos nos levantar e antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, ele aproximou-se de nossa filha. Ela estava totalmente transfigurada. Seu rosto era horrível: olhos vermelhos e escuros; a pele coberta de excrementos; as mãos pareciam mais com garras de algum animal selvagem. Quando ela percebeu o homem que se aproximava, largou os padres e recuou até a parede. Parecia ter medo. A mesma voz ameaçadora gritou para o estranho:” Estou aqui pois Nosso Pai permitiu. Tu não podes me tocar Sentinela. A alma dela já partiu e apenas o corpo me pertence. E dele, faço o que quiser“. O homem pareceu não se importar com o que fora dito. De dentro da túnica, retirou uma espada estranha e, num único golpe, decepou a cabeça de minha filha…”

O promotor, incrédulo e espantado perguntou “o por que?” de nunca terem falado sobre isso e de terem protegido o assassino da filha deles e a Igreja. Ela paciente, como se falasse com uma criança, continuou sem dar importância ao que ele perguntara: “…Por instantes, depois dele ter decapitado nossa menina, ficamos imóveis observando a estranha cena. Meu pai avançou em direção ao jovem para agredi-lo, mas se deteve no mesmo instante. Do corpo inerte da menina, uma gosma preta e fétida brotava e erguia-se à frente de todos. A gosma tornou-se uma criatura disforme e horrível. Falava apenas com o estranho que acabara de entrar; perguntou como ousara ir contra o Pai e jurou que iria destruí-lo. O jovem apenas limitou-se a sorrir e disse: “Seu tempo aqui acabou. Nosso Pai ordena que deixe esse mundo e retorne ao seu lugar. A hora ainda não chegou…” A criatura pareceu inconformada e investiu contra o homem. Em suas garras, trazia uma ameaçadora lança. Sem demonstrar qualquer emoção, o jovem o deteve e o subjugou, facilmente, com a espada; deixando-o de joelhos. Enquanto o imobilizava, recitou um texto de um livro que parecia muito antigo e que carregava consigo. Era uma língua estranha, não era latim; pois essa ela conhecia bem das missas. Ela nunca ouvira aquilo antes. Tudo que podia falar era que a estranha criatura desapareceu em meio a gritos de dor e o ar, antes carregado com um fedor sufocante, agora cheirava a rosas…” Sem parar, a velha mulher continuava seu relato com a propriedade das testemunhas confiáveis: “…Ele chegou até mim, segurou minhas mãos e, olhando em meus olhos disse: “Sua filha morreu junto com seu esposo naquele acidente. O que de lá retornou, era apenas um receptáculo para um demônio poderoso e cruel. Seu objetivo era apenas causar tristeza e desacreditar a fé que vocês têm em Nosso Pai Maior. O mal foi vencido e vocês passarão por uma provação terrível agora. Contudo, nada posso fazer quanto a isso”. Dizendo essas palavras, e da mesma forma que apareceu, sumiu do lugar. Os padres, mesmo relutantes, depois de um tempo acabaram explicando quem era aquele jovem. Diziam que era alguém considerado como uma lenda, um mito. Algo que muitos acreditavam ser fruto da fantasia de fanáticos. Sua identidade era desconhecida até pelos altos escalões do Vaticano. Tudo o que se sabia, era que um homem havia sido escolhido diretamente por Jesus para expulsar os demônios mais poderosos que tentariam viver entre nós. Pessoas puras e escolhidas antes mesmo de nascerem, vinham sendo escaladas geração após geração, para combaterem nessa cruzada solitária contra o mal. Eram conhecidos pela denominação de Sentinelas”.

O velho promotor pensou que toda sua vida fora desperdiçada nas ilusões fanáticas de uma velha senil. Disfarçando sua irritação, levantou-se e disse que partiria. Nunca mais retornaria a incomodá-la e desejava que, algum dia ela, superasse o que acontecera. Sem demonstrar qualquer aborrecimento, a mulher levantou-se e sorrindo, entregou ao velho um pequeno pacote; “Ele disse que você não acreditaria”. Dizendo isso, foi embora.

Ao desembrulhar o pacote, o promotor encontrou um gravador e uma fita. Correu para o carro e ligou o pequeno aparelho. Instantaneamente, uma voz animalesca e cheia de ferocidade encheu o ar a sua volta, ao fundo, gritos de terror e pânico eram ouvidos. A voz dizia: “…Estou aqui porque Nosso Pai permitiu. Tu não podes me tocar Sentinela…”

Um arrepio de medo percorreu todo seu corpo.

(*)Demônio comandante de 60 Legiões do Inferno, Deus da Honra e da Glória, diz que na batalha do juízo final ele ira derrubar muitos anjos antes de cair sobre a glória de Miguel Arcanjo. Foi um mítco feiticeiro ou negromante, considerado pelos antigos como Gênio Infernal, uma espécie de Demônio da Guerra, e um comandante dos exércitos de Satanás.É tido como detentor do todo o conhecimento da arte da guerra e de todas as guerras do passado, do presente e do futuro.

A Sentinela - Radamathys

Havia caminhado por dias. Desde que abandonara sua vida clerical após a ordenação, ele pensava sempre na natureza de sua missão. Ser o protetor, o guerreiro de Deus e a primeira linha de defesa na batalha eterna entre as forças da luz e das trevas, era uma tarefa pesada demais. Seu espírito atormentava-se ante as dúvidas. Teria sido, ele, a escolha ideal. Não havia tido tempo de conversar com o velho padre. E pensava que era um contra-senso usar meios violentos para defender a humanidade das artimanhas de Lúcifer.

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Aturdido em meio às dúvidas e incertezas, buscou o único lugar onde se sentia seguro. Uma Igreja. Estranhou por que mesmo passando por tantas outras, sentia-se impelido a entrar naquela em específico. Era uma construção imponente e bem antiga. Estilo gótico, com uma nave ampla e elevada. Num lugar de destaque, o altar ornado com arabescos finamente trabalhados em ouro puro e pedras preciosas, resplandecia com um brilho hipnótico e caloroso. Aquela igreja era uma relíquia.

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Naquela hora da noite, a igreja estava praticamente vazia. Sentou-se num dos bancos do fundo. Não queria chamar a atenção e nem ser perturbado por nenhum fiel tardio. Precisava meditar e buscar uma resposta clara de Deus. Abriu seu pequeno evangelho e começou a ler as determinações escritas pelo próprio Cristo e as características dos escolhidos. Buscava ali, a resposta para sua hesitação.

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Estava tão absorto e concentrado que nem notou a presença do velho frei franciscano que o observava atentamente de um canto escuro da nave. Mas, num instante, em sua mente ele pode ver o espírito luminescente que irradiava uma luz forte, porém aconchegante. Levou o olhar até a direção da luz e pediu ao velho homem que se aproximasse.

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Ainda mergulhado na escuridão, o velho frade aproximou-se e quando ia perguntar como ele o havia visto ali, observou o pequeno livro, antigo e desgastado, nas mãos do jovem. Estava escrito numa língua estranha a ele. Mas reconheceu de imediato os escritos da capa: “O EVANGELHO DO PENTECOSTES”.

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De imediato ele soube quem era aquele homem tão jovem e porque ele o descobrira escondido nas sombras. Ele era “uma Sentinela”. Nunca antes havia encontrado um desses homens. Sabia que existiam e conhecia sua missão árdua na terra. Agora entendia porque aquele jovem tinha o semblante tão carregado e sofrido. Ele trazia, gravado em si à fogo, a mais penosa missão que um ser humano poderia ter. Sem dizer uma única palavra, aproximou-se dele e tocou sua fronte abençoando-o e fez uma prece baixinho; pedindo que Deus o confortasse e protegesse.

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O Jovem, por sua vez, percebeu que o toque daquele velho o banhava com uma luz alaranjada e afastava todas as suas dúvidas, tensões e tristezas. Sentia-se aquecido e docemente reconfortado pela prece feita em silêncio; mas que ele podia ouvir claramente. Enquanto o frade se afastava para o interior da sacristia, observava encantado aquela luz maravilhosa irradiada por ele, banhando toda a igreja. Percebeu, então, que aquele era um homem santo.

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Quase que no mesmo instante em que tinha esse pensamento, sentiu uma forte dor no peito e um cheiro horrível de fezes tomou conta de tudo a sua volta. O odor insuportável o sufocava. Sabia o que aquilo significava: A presença de um demônio. Olhou em volta e, na escuridão, não podia perceber nada. Levantou-se e tocou sua arma. A "Lâmina de Miguel", feita do mais puro aço e com partes da ponta da lança de Longinus (O romano que cravou sua lança em Jesus, ao fim da crucificação), era a arma principal contra esses seres infernais. Como espíritos, eram imortais. Mas o poder da lança de Longinus, banhada pelo sangue do Nazareno, era o suficiente para arremessá-los de volta aos abismos infernais.

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Saiu cauteloso da igreja e, ao chegar ao pátio, observou que uma velha senhora sentada num dos bancos sorria para ele e o convidava a sentar-se. O que ele via, no entanto, era algo completamente diferente. De pé atrás da velha e com os braços pousados em seus ombros, uma figura o fitava com olhos gelados. Uma imensa massa negra rodeava a velha e o banco. Tão densa que nada a transpassava. Era como olhar para um grande buraco negro. No centro daquele negror infinito, uma figura sinistra com seis enormes asas negras esfarrapadas e o corpo envolto em chamas que, apesar do brilho intenso, não refletiam ou iluminavam a massa negra e nem emitiam qualquer calor. Sua face era um emaranhado de chamas envoltas com trapos pútridos envolvendo sua boca. Podia-se perceber apenas os três olhos inquisidores que o estudavam com uma atenção quase terna: Era Radamathys - O Dominador do Fogo.

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Quando Lúcifer foi exilado no inferno pelo exército celeste, Radamathys, servia com Miguel. Mas discordou do Pai por não ter perdoado Lúcifer, que sempre fora seu favorito. Repreendido, pelos irmãos, resolveu deixar o céu e habitar entre os homens. Aqui, trabalharia para conseguir o perdão para seu amado irmão renegado.

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Em sua mente, o jovem padre ouvia a voz do demônio o convidando para sentar-se. Não havia motivo para medo ou luta. Queria conversar. Em seu treinamento psíquico, o jovem fora apresentado a todos os demônios e anjos. Aprendera suas fraquezas e virtudes, como derrotá-los e como usar sua arrogância contra eles mesmos. Sabia que Radamathys era um demônio dúbio, corrompido pela proximidade de seu irmão malévolo, ele praticava o mal. Mas, a longa convivência com a humanidade, o fazia também praticar o bem em várias ocasiões.

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Sua vida havia sido árida e difícil, pobre e vivendo numa casa velha e embolorada; desde a tenra infância, tinha pesadelos horríveis onde hordas demoníacas o atacavam e o obrigavam a combater ferozmente. Lutando por sua vida. Um homem de aparência forte e destemida o orientava naquela carnificina aparentemente sem sentido. Geralmente esses sonhos, acabavam com ele acordando desesperado, suado, gritando pela mãe e com os lençóis banhados em urina.

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Sua mente infantil, não era capaz de assimilar o que acontecia. A visão daquelas criaturas disformes e horrendas e de todo aquele horror era demasiado incompreensível para ele. Hoje, bem mais velho, compreendia que seu espírito era projetado em uma viagem astral e era treinado no éter, para cumprir a missão a que estava destinado. E essa missão era simples, e ele a executava com maestria: Combater o mal e todas as suas manifestações.

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Quando na adolescência resolveu freqüentar o seminário e tornar-se um padre, seus pais recusaram-se a autorizar seus estudos e o espancavam com o intuito de mudar seu pensamento. Mas, ao contrário, isso tudo só o impulsionava mais para seus objetivos. Ele não conseguia imaginar que força ou que vontade era aquela que o movia rumo ao sagrado.

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Ao completar 18 anos e alcançar a maioridade, matriculou-se no seminário e formou-se com louvores. Foi ordenado padre e, no dia da ordenação, recebeu uma visita de um velho sacerdote. A muito, ele já não sonhava mais com os combates e lutas encarniçadas. Na verdade, nem se lembrava mais daqueles dias distantes. Porém, ao ver aquele velho padre, com mais de oitenta anos, imediatamente o reconheceu. Era a figura forte, estranha e destemida que aparecia em seus sonhos todas às noites naqueles pesadelos. Com um gesto seco e quase imperceptível, o velho apontou para um canto da igreja e disse: “Chegou à hora de você me substituir. Você sabe, em seu íntimo, que a jornada será difícil e penosa. Mas se confiar em Deus triunfará”.

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Dizendo isso, entregou-lhe uma velha bíblia desgastada e já bem danificada pelo tempo. O jovem padre olhou o objeto raríssimo e percebeu que era escrito em aramaico antigo. Um idioma a muito esquecido e falado nos tempos de Jesus. Estranhamente diante de seus olhos os símbolos, antes incompreensíveis, descortinavam-se para ele em palavras; depois frases e finalmente em sentenças completas. Espantado, percebeu que podia ler aquilo facilmente.

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Era um evangelho nunca antes revelado pela igreja e, do qual, nunca havia ouvido falar: “O Evangelho do Pentecostes”. Segundo o texto, fora escrito por todos os apóstolos no dia do Pentecostes em uma espécie de transe divino coletivo. O texto trazia meios, regras e descrições de como Lúcifer usava seus demônios e almas perdidas na terra para ampliar e fortalecer seus contingentes infernais. E como desviava ou destruía, almas caridosas de seu caminho rumo aos céus. E continha, ainda, meios e sinais de como reconhecer esses agentes infernais e combatê-los com toda sorte de rituais, armas e técnicas. Lá, havia também um depoimento do próprio Jesus, já ressuscitado, explicando aos apóstolos que Deus enviava sempre um homem ou uma mulher a cada geração para tornar-se uma arma divina contra as ações de Lúcifer e suas hordas demoníacas na terra. Um ser humano que, treinado e armado, abdicava de sua vida terrena para exercer essa função divina.

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Virou-se para o ancião cheio de perguntas. Mas o que viu o desalentou. O pobre velho estava morto. Seu rosto sereno e tranqüilo, espelhava a certeza do dever cumprido e da alma redimida. Afastou-se do velho, deixou os parentes e amigos procurando por ele na igreja lotada de fiéis, seminaristas e autoridades da Igreja e mergulhou no mundo. Sabia que nunca mais voltaria a pisar numa igreja, como sacerdote, ou a rever seus pais e amigos. Sabia que sua missão era solitária e deveria cumpri-la com empenho até encontrar outro como ele a quem passar o cargo.

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Agora, ao caminhar pelas ruas por entre a multidão agitada e sem rosto, via tudo com um ponto de vista diferente e sombrio. Bastava um olhar mais atento para que enxergasse além das aparências e formas mundanas. Ele podia ver as almas de todos que circulavam pelas calçadas, avenidas e meios de transporte. Percebia todo o movimento espectral ao redor delas. Aquele era seu campo de batalha, o inimigo estava sempre preparado e a espreita. Todos podiam ser alvos e dependiam dele. Desde o início dos tempos, a guerra entre o bem e o mal era travada no submundo e, nesta guerra, ele era a primeira linha de defesa da humanidade.